Por Inaldo Bezerra
A pandemia causada pelo surto da Covid-19 vem impactando fortemente na vida das empresas e dos diversos profissionais.
Na área da saúde, epicentro do problema, dentre tantas propostas de solução, a telemedicina se mostrou como exemplo do fenômeno de adaptação do ser humano.
Em que pese, ainda hoje, não ser um modelo de negócio, a ferramenta vem sendo essencial no momento de crise sanitária em que vivemos.
A regulamentação da prestação de serviço médico através da modalidade de telemedicina, antes da pandemia, era a Resolução nº 1.643/2002 do Conselho Federal de Medicina (CMF).
Tal resolução restringia a telemedicina à comunicação interativa audiovisual e de dados de médico a médico, ou seja, a interação, troca de dados e informações somente poderia ser realizada entre profissionais da saúde.
A restrição imposta pelo CFM se baseava na premissa de que informações transmitidas virtualmente eram consideradas insuficientes, o que poderia comprometer o adequado diagnóstico e tratamento do paciente.
Diante do atual quadro sanitário, com a decretação das medidas de isolamento social, o Ministério da Saúde, em complemento ao Ofício CFM nº 1.756/2020, editou a Portaria nº 467/2020, autorizando em caráter excepcional e temporário, a realização da telemedicina como medida para assegurar o atendimento direto a pacientes, desde a fase pré-clínica ao monitoramento e diagnóstico de eventual patologia, por meio do uso da tecnologia da informação e comunicação.
Além da portaria 467/2020, tramitou também o Projeto de Lei nº 696/2020, cuja última ação legislativa foi a transformação na Lei Ordinária 13989 de 2020, em vigência.
Na perspectiva do paciente, que fique claro que o atendimento médico e/ou a prestação de serviços de saúde, presencial ou remoto, como é o caso da Telemedicina, impõe Responsabilidades com base no Código de Defesa do Consumidor, sem prejuízo da lei civil.
Desta forma, não há dúvida de que a responsabilidade civil do médico, seja sob a ótica do CC ou do CDC é de natureza subjetiva.
Em contrapartida, e aqui reside a preocupação trazida por este artigo, a responsabilidade do hospital ou da instituição ao qual o profissional esteja vinculado é objetiva, o que independe da comprovação de culpa, bastando que o dano exista para que a responsabilização seja aplicada.
Assim, no cenário da pretensão de reparação por eventual erro médico, claramente acentuado pelo uso da novel modalidade (TELEMEDICINA), e como já ocorre, figurará no polo passivo, além do médico, tanto a operadora como o hospital.
O fato é que a relação entre estes três sujeitos comporta configurações que demandam abordagem jurisprudencial diversa.
Entende o Superior Tribunal de Justiça que caso se esteja diante de contrato com manutenção de hospitais e indicação de rol de conveniados, a operadora responderá solidariamente pela má prestação do serviço médico.
Por este entendimento, havendo relação entre a operadora, hospital e médico que incorreu na conduta equivocada, depreende-se que todos os sujeitos responderão solidariamente.
A reflexão que aqui cabe, sem prejuízo da posição adotada pelo STJ é a de que tanto para os hospitais como para as operadoras é vedado interferir na atuação do médico.
Essa inclusive é a posição do próprio STJ, em especial ditada pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito no REsp 668.216/SP no longínquo ano de 2007.
Veja, portanto, que a operadora ou o hospital não podem se opor à técnica adotada pelo médico no tratamento do paciente, já que o profissional é, a rigor, o responsável pela orientação terapêutica.
Aliás, o próprio ministro Menezes Direito, no Resp antes citado, define o médico como o “senhor do tratamento”, posição que ainda é adotada pela jurisprudência até os dias de hoje, com raras divergências.
Não se pretende aqui afirmar que as operadoras ou os hospitais possuam aptidão técnica para substituir o médico na escolha da terapia adequada, mas sim, trazer à baila o debate sobre o afastamento da responsabilidade da operadora em virtude do erro do médico, ainda que seu credenciado, já que a realidade jurisprudencial corrente é outra.
O tratamento dispensado as relações consumeristas na sociedade brasileira passou por inúmeras transformações. Múltiplos fatores contribuíram para a transformação deste quadro, principalmente a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, que hoje representa um dos reforços legislativos de maior sucesso e alcance a sociedade brasileira.
No entanto, a meu ver, a questão da responsabilidade civil das empresas operadoras de plano de saúde por fato de outro, deve ainda estar longe de ser assunto pacifico.
Não se pode negar que a atividade de plano de saúde é, em regra, distinta da atividade médica. Em sendo distintas as atividades, deve-se ao menos considerar a hipótese de não haver solidariedade e nexo de causalidade entre os danos ocorridos e a prestação de serviço da operadora de plano de saúde.
Embora dominante na doutrina e na jurisprudência a ideia da responsabilidade da operadora de plano de saúde por atos e omissões de profissionais médicos e de serviços hospitalares ou laboratoriais, essa generalização deve ser vista com cuidado, na medida em que diversas são as operadoras de plano de saúde e diversas são as relações existentes.
Assim, embora imperioso o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor contratante de planos de saúde, sendo ele merecedor de tutela especial e reparação integral dos danos sofridos, a responsabilização das operadoras de forma objetiva pode revelar em alguns casos um benefício excessivo para o consumidor que teria firmado um contrato de resultado, enquanto a operadora ficaria à mercê da atividade de meio do seu prestador.