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Precedentes Vinculantes e Efetividade da Execução

Precedentes Vinculantes e Efetividade da Execução são temas da última sessão do Ciclo de Palestras de Lançamento do Código de Processo Civil Anotado e Comentado da AIDA Brasil

Debates foram conduzidos por Luís Antônio Giampaulo Sarro e tiveram as participações de Larissa Clare Pochamnn da Silva, Rodrigo Becker e Helena Lanna Figueiredo, sendo coanfitrião Marcos Geraldo Batistela, Presidente da Associação dos Procuradores do Município de São Paulo.

Na última quinta-feira (28), a Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA Brasil realizou a última live do ciclo de palestras de lançamento do “Código de Processo Civil Anotado e Comentado”. O webinar foi apresentado e mediado pelo presidente do GNT de Processo Civil, Luís Antônio Giampaulo Sarro. Teve como coanfitrião Marcos Geraldo Batistela, Presidente da Associação dos Procuradores do Município de São Paulo, e as participações de Larissa Clare Pochmann da Silva e Rodrigo Becker, que explanaram sobre os temas “Precedentes Vinculantes no CPC/2015” e “Efetividade da Execução”, respectivamente. Também contou com a presença de Helena Lanna Figueiredo, que contribuiu propondo reflexões e questionamentos as respeito dos assuntos abordados.

Em sua apresentação, Larissa tratou dos precedentes vinculantes, que, segundo ela, vêm com a ideia de isonomia e segurança jurídica. São estruturas do sistema jurídico, tanto quanto os decretos, as leis, os atos normativos e as leis em geral. Eles também estão relacionados à teoria das fontes normativas e todo o sistema jurídico possui precedentes, na medida em que essa tomada de decisão para resolução de casos concretos é o momento fundamental da experiência jurídica. “Quando a gente fala em precedente a gente associa a duas tradições históricas de civil law e de common law. Cenários esses que já não possuem mais diferenças tão marcantes”, disse.

Vale lembrar uma discussão que é super relevante, quando se fala em precedentes da civil law, em relação aos assentos portugueses. Hoje Portugal tem eficácia vinculante em alguns dos seus julgamentos, que no caso são julgamentos dos tribunais internacionais, e eficácia erga omnes, da declaração de personalidade de lei ou da ilegalidade de atos normativos. Mas Portugal passou por uma importante discussão em relação a vinculação dos assentos. Eles acabaram sendo revogados no julgamento do acórdão 810/93, quando o tribunal condicional declarou com força obrigatória em geral a inconstitucionalidade das normas.

Na verdade, o grande ponto que levou o assento português a ser revogado foi a observação de que sua força obrigatória levaria a impossibilidade de sua modificação e seria inadequado para a uniformidade do direito e para a segurança jurídica. Houve divergência em relação a esse posicionamento, mas houve a partir desses assentos portugueses uma discussão importante sobre a vinculação em um país que seria tradicionalmente atribuído como de civil law.

“Voltando ao ponto, os precedentes não são estranhos nem a estrutura da civil law, nem a da common law, cenários esses que cada vez mais se aproximaram. E a vinculação também de fato teve todo um contexto de evolução desse movimento, mas ela existe em ambos os cenários, embora tradicionalmente associada a common law”, afirmou.

No Brasil tradicionalmente se abordava a jurisprudência. E a valorização da jurisprudência não é nova, ela foi seguindo um caminho desde o Código de 1973. O CPC 2015 trouxe uma nítida valorização da jurisprudência, a partir de paulatinas e inúmeras reformas legislativas.

Quando a se tratava de jurisprudência geralmente se dizia que era o entendimento pacífico reiterado dos tribunais sobre uma questão. O sistema brasileiro que se tinha no país anteriormente era calcado em julgamento de casos isolados, e por isso precisava se extrair o entendimento que precisava ser reiterado e chamava-se de pacífico. “Só que esse pacífico não era tão pacífico assim, era um pouco exagerado, pois era a predominância de um entendimento”, explicou.

De acordo com a advogada, a modificação começou a correr no momento em que fixa entre os tribunais o procedimento do julgamento dos concentrados, primeiro por meio da ADIN e do ADC. “A nossa modificação começou a ocorrer historicamente em relação a ADIN e a ADC, com a eficácia erga omnes dessas decisões. Isso porque, se o supremo tinha julgamentos reiterados sobre determinada matéria poderia-se dizer que tinha-se uma jurisprudência. Na verdade, é esse entendimento com eficácia erga omnes que iria ser aplicado, mesmo que houvesse reiterados julgamentos anteriores em sentido contrário, a eficácia erga omnes do que viesse a ser decidido na ADIN e na ADC é que iria ser aplicado”, analisou.

Depois da ADIN e da ADC de certa forma a edição de diversas normas valorizando a jurisprudência. Mas o Código de 2015 traz um grande ponto em relação à valorização dos precedentes vinculantes. A modificação diz respeito justamente a jurisprudência porque passou-se a ter a compreensão de que ela pode vir de julgamentos reiterados, pode ser a reiteração do julgamento quando não há um precedente qualificado. Mas se já se tem um precedente qualificado ele já é o entendimento que vai ser aplicado e, consequentemente, o entendimento a ser seguido.

Então, passa-se a ter a necessidade de reiteração de entendimentos para quando não há um precedente qualificado. Mas havendo precedente qualificado, havendo precedente vinculante não se faz necessária a reiteração do entendimento. Fixada a tese ela vai ser aplicada a todos os casos pendentes que vierem a ser ajuizados e vai passar a ser observada.

“O sistema brasileiro de precedentes não vem da importação de um sistema e tem muitas peculiaridades. Ao contrário do que ocorreu em outros países, ele foi legalmente estabelecido por norma. A comissão de juristas que elaborou o Código de Processo Civil tem um profundo conhecimento sobre o tema de precedentes”, destacou.

A tradição brasileira é a do direito legislado. Os precedentes vinculantes estão previstos no CPC, a constituição prevê a legalidade e não é um sistema apenas de precedentes, mas que também prevê contribuir para o julgamento de questões comuns ou repetitivas, que impactam em todo o sistema jurídico.

O sistema brasileiro de precedentes vinculantes é positivado, foi paulatinamente estabelecido por força da legislação, cumprindo a previsão constitucional da legalidade. Além disso, esses precedentes qualificados possuem o procedimento estabelecido pelo legislador para a fixação de teses, para a formação dos entendimentos que são vinculantes. Em outros países julgamentos são vinculantes sem a previsão deste procedimento. “Nós temos alguns procedimentos que formam os precedentes vinculantes. Eles passam por órgãos colegiados que têm uma função qualificada, que uniformizam o entendimento. Não é qualquer órgão do tribunal que vai, no direito brasileiro, formar um precedente vinculante. Quando se trata dos mecanismos que formam precedentes vinculantes, nota-se no CPC, na legislação, que passa para os órgãos colegiados com competência uniformizadora”, reiterou.

A palestrante também destacou outros pontos em relação à peculiaridade do sistema. Segundo ela, esses procedimentos concentrados formulam teses jurídicas. Sendo assim, os precedentes vinculantes são na verdade a fixação de teses jurídicas que vão formar esse entendimento vinculante a ser aplicado. Outra peculiaridade é que quando se fala de precedentes vinculantes em outro sistema, geralmente se diz que o caso não nasce como precedente, ele se torna um precedente. No Brasil, porém, os mecanismos que os formam têm um reforço dos princípios constitucionais da publicidade, do contraditório e da ampla defesa. Eles têm uma previsão de mais ampla participação.

Os mecanismos de precedentes vinculantes preveem a suspensão total ou parcial de processos, dependendo do caso, para aplicação desse entendimento firmado com eficácia vinculante, muito embora já se saiba que, na prática, existe um entendimento de que ela não seria obrigatória.

Em muitos outros países, a formação desse precedente vinculante não gera a suspensão dos outros processos que tratavam sobre o tema.  “O nosso sistema prevê essa suspensão que pode ser total ou parcial, embora se ressalve que ela não foi adotada. Basta analisarmos alguns IRDRs que já foram aplicados na prática”, pontuou.

Ao final de sua palestra, Larissa destacou ainda que para a fixação desse entendimento com eficácia vinculante, em alguns casos o legislador previu o prazo de um ano para a tese jurídica ser fixada. Esse prazo objetiva a resolução da questão, para que seja trazido um entendimento. Existe ainda um regramento de superação de distinção. Os institutos da superação e da distinção existem em outros ordenamentos, mas houve no Brasil um regramento, ainda que aberto, ainda que precise ser completado, em relação à superação e a distinção. Houve a positivação da possibilidade de suspensão e distinção, também pela lei, a reboque da legalidade.

“O sistema de procedentes vinculantes brasileiro é distinto e extremamente relevante, é um dos grandes pontos do CPC 2015. A fixação desses entendimentos tem muitas repercussões que vão gerar repercussão em todas as demandas pendentes que venham a ser ajuizadas, que se relacionam com outros institutos, mas que é um dos grandes temas que merecem estudo e atenção. Ele está em construção, é construído com a fixação de teses do dia a dia e tem um importante efeito no nosso sistema, tem grande impacto nos processos pendentes, no acesso a justiça e ao poder judiciário”, finalizou.

Em seus comentários, Helena Lanna Figueiredo pontuou a importância de se trazer o histórico dos precedentes, matéria que segundo ela enseja muitos debates. “Eu confesso que sou favorável aos precedentes porque eu acho que eles têm essa nobre função de trazer maior segurança jurídica. Infelizmente a gente vê nos tribunais, e até no STJ, que uma câmara decide o mesmo caso, o mesmo tema, de forma diferente de outra. E isso pode trazer um pouco de perplexidade para o jurisdicionado”, explicou.

Para ela, a função dos precedentes é muito relevante e pode auxiliar desafogando o judiciário. Por outro lado, Helena confessa que tem um pouco de medo de precedentes. “Porque o que a gente vê muitas vezes é que as ementas dos julgados não são muito claras, o que pode prejudicar a aplicação do precedente. Porque pode afastar uma situação que aparentemente pela ementa não é parecida, mas quando o precedente é analisado a fundo nota-se que o direito envolvido é o mesmo. Tenho medo também de que isso engesse o Poder Judiciário, porque às vezes quando uma questão já está decidida os tribunais podem não se sentir instigados a alterar. Porque o direito é dinâmico”, destacou.

Bloco II – Efetividade da Execução

Rodrigo Becker iniciou sua apresentação enfatizando que a efetividade da execução é um processo que se não está em voga no momento, deverá ficar. Isso porque, existe um projeto de lei que visa desjudicializar a execução sendo debatido. E a desjudicialização da execução está estritamente relacionada a ideia de efetividade da execução. Ela está disposta no artigo 797 do CPC 2015, que diz que ela objetiva dar ao credor aquilo que ele teria se o devedor cumprisse a sua obrigação espontaneamente. “Tudo gira em torno de fazer com que o credor receba o que lhe é devido. E aí começam os problemas no âmbito do processo brasileiro”, afirma.

De acordo com o advogado, o país adotou um modelo de processo em que a execução, não só dos títulos judiciais, mas também dos extrajudiciais, que nada mais é do que uma cobrança, é judicial – necessita de um juiz para coordenar os atos executivos.

“A efetividade da nossa execução passa obrigatoriamente por essa ideia de que nós escolhemos o sistema judicial e essa é uma escolha que foi feita há muitas décadas. E um problema que comumente ocorre é de alguém ganhar uma causa, mas não receber os seus direitos efetivamente, o famoso “ganhou, mas não levou”. Aí fica a pergunta, será que a execução é efetiva a ponto de alguém ganhar e levar? Será que a execução é efetiva a ponto de eu, diante de um título judicial poder me utilizar, com certeza, do poder judiciário e ele fazer com que eu receba o que eu tenho direito?”, questionou.

Segundo Becker, essas são perguntas que ficam na cabeça do jurisdicionado e os operadores do direito muitas vezes encontram dificuldade de responder. Não porque não saibam a resposta, mas porque não querem dar a resposta correta. “A verdade é que o nosso sistema é deficitário no que diz respeito à execução. Números do CNJ de 2019 mostram que metade dos processos judiciais no país são processos executivos”, observou.  Diante desse cenário, se faz necessário examinar quais são os problemas na execução. Verificar porque ela não está sendo efetiva e não está dando ao credor o que ele hipoteticamente receberia sem a intervenção do Poder Judiciário.

Antes, porém, de falar dos problemas, o professor estabeleceu duas premissas: a primeira é que a execução no âmbito do Poder Judiciário é como qualquer outro procedimento. É uma ação, e por assim ser ela está pautada nos princípios do contraditório e da ampla defesa. O que dá ao devedor o direito de defesa; a segunda é que a execução tem por obrigação ser ponderada. Ou seja, ela precisa observar o princípio da menor onerosidade possível. Isso significa que não se pode utilizar a execução como uma vingança privada, para buscar mais do que o devido. Ela não pode trazer a devedor um ônus maior do que ao que ele já vai ter pagando o que ele deve. “A partir dessas duas premissas a gente pode começar a pensar a execução. Começando pelo contraditório e ampla defesa”, indicou Becker, questionando até que ponto o contraditório deve ser igual ao da ação de conhecimento.

Na visão do palestrante, quando se fala de título extrajudicial a coisa complica um pouco mais. Isso porque está se falando da efetividade da execução de título extrajudicial que é antes de mais nada uma ação. O título extrajudicial foi escolhido pelo legislador como títulos que têm por característica a possibilidade de serem cobrados em juízo sem a necessidade de um acertamento. Ele por si só já carrega essa eficácia de dar a ação que o credor pretende um rito mais célere e com menos contraditório.

“O problema aí é o abuso do uso do contraditório, a partir da possibilidade de haver contraditório. O devedor nunca quer pagar, não é da cultura do brasileiro pagar, infelizmente. Temos uma mentalidade de que o processo executivo, seja ele de título judicial ou extrajudicial, é um novo processo, uma nova ação. E, portanto, tem esse direito de fazer uma defesa ampla e irrestrita e empurrar o processo o máximo possível”, esclareceu.

O contraditório acaba sendo um problema para execução, não a sua existência, mas o abuso. Isso ocorre porque existem normas que possibilitam esse abuso. Há advogados criativos que praticam esse abuso e, principalmente, um sistema que possibilita essa condição. Para o advogado, o primeiro problema, que é o abuso do contraditório, só existe porque na execução judicial os juízes não têm condições de se dedicar única e exclusivamente às execuções. “Alguns advogados se aproveitam dessa falha sistêmica para empurrar o processo. Enquanto isso, existem varas no Brasil com 50 mil processos porque não existe capacidade operacional para as execuções”, contou.

O segundo problema vem da segunda premissa, que é princípio da menor onerosidade possível. Uma execução não pode ir além daquilo que é necessário, mas a proteção também não pode ser exacerbada a ponto de impedir a própria execução.  Na opinião do palestrante, alguns profissionais estão sempre tentando fazer com que a mudança legislativa não se dê pela pauta correta e se dê de modo casuístico porque o princípio da menor onerosidade é um princípio que deve ser aplicado irrestritamente inclusive sobre a norma. Todavia, o legislador faz escolhas que devem ser respeitadas.

O abuso do princípio da menor onerosidade, assim como o abuso do contraditório faz com que os operadores do direito também tenham essa dificuldade operacional. E esse não é um problema dos advogados. O que ocorre é que os advogados se aproveitam de um problema de operacionalização do sistema judicial. Ou seja, o problema é anterior.

“E não há como encontrar uma única culpa. Mas há culpa de gerenciamento, do Judiciário que deixou chegar a esse ponto, dos advogados que protelam, se aproveitam dessa questão, e principalmente do devedor que não paga sua dívida. Por isso que é um equívoco, a meu ver, o superprotecionismo do devedor em execução”, enfatizou.

Quanto às novidades relacionadas à efetividade da execução, a primeira é a utilização de meios tecnológicos na execução, que visam conferir mais celeridade ao processo executivo, como por exemplo, em casos que trata de penhoras, bloqueios de valores e medidas de coerção. Além do aprimoramento de sistemas já existente para a desburocratização e celeridade da execução, foi incorporado o uso de inteligência artificial em leituras de decisões. Tudo isso ainda no âmbito do poder Judiciário.

Com o intuito de provocar reflexão por parte dos internautas, o palestrante questionou a necessidade de todos os atos executivos serem realizados no Judiciário. Também chamou a atenção para o fato de que no sistema português a execução é feita pelo setor privado, em cartórios. São entidades que têm muita expertise na área de cobranças, principalmente os cartórios de protesto. Em Portugal existe o agente de execução, um profissional que faz a cobrança e não é ligado ao Poder Judiciário. Existem ainda outros países, em que a execução é feita de forma extrajudicial.

“O que eu acho interessante observarmos com esse projeto de lei que está em discussão é que nós precisamos pensar em métodos para de fato desburocratizar a execução. Esse projeto de desjudicialização talvez venha exatamente para isso. Para que a sociedade possa refletir e debater soluções para uma execução mais efetiva”, conclui.

Ao final da explanação, a professora Helena Lanna Figueiredo, como debatedora, teceu importantes considerações sobre o tema em face dos pontos abordados pelo palestrante.

Assista a live completa no canal da AIDA