Indiscutível é o papel da tecnologia para a solução dos desafios atuais. Dúvidas houvesse, sua aplicação no front da guerra à Covid-19 fez toda a diferença e reafirmou sua importância. Da prevenção ao tratamento dos infectados, do desenvolvimento das vacinas, telemedicina, algoritmos para protocolos médicos, suas ferramentas permitiram a transição imediata do ambiente corporativo para o home-office bem como outras adaptações que minimizaram a crise sanitária e financeira deflagrada pelo Sars-Cov-2.
Ainda assim, o investimento público no setor tecnológico tem se mostrado tímido e muito pouco prestigiado pelo Governo brasileiro.
Faz pouco tempo, em abril passado mais de 40 entidades científicas pediram, em vão, ao Ministério da Economia a liberação de R$51 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Econômico (FNDCT) desenvolver ou dar andamento a pesquisas cientificas e tecnológicas.
Criado pelo Decreto Nº 719 de 31 de julho de 1969 para compensar o, comprovadamente, baixo investimento do Brasil em tecnologia e inovação, o FNDCT começou a receber, a partir de 2001, os recursos arrecadados pela Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico – Cide.
A Lei Nº 19.168 de 2000 que instituiu a Cide determinou que a contribuição fosse destinada a financiar o Programa de Estímulo `a Interação Universidade-Empresa para apoio à inovação, (art.1º) {…} cujo objetivo principal é estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo.
A Cide, cuja alíquota de contribuição é de 10%, incide sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas no caput do Art.2º. e é devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem em transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior, (Art.2º, caput).
O texto da Lei é claro ao conceituar no §1º do Art. 2º os contratos de transferência de tecnologia, como aqueles relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica
Parecia que, finalmente, se encontrara uma solução para o financiamento do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. Entretanto, o objetivo de impulsionar a inovação e garantir o desenvolvimento de pesquisa tecnológica em cooperação vem se distanciando da realidade, a cada ano, um pouco mais.
Com destino parecido ao da CPMF, nascida para prover a Saúde e ao longo da existência financiando “de todo un poco”, também a Cide tem visto suas contribuições ao FNDC tomarem destino diverso ao previsto na sua criação. Atualmente metade da sua arrecadação está destinada ao Fundo CT Verde e Amarelo que financia projetos do setor produtivo. O cobertor que já era curto, deixará mais pesquisas de fora, mais projetos no papel…
Não bastassem as sangrias no FNDC, a taxação de remessas de pagamento ao exterior está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal em ação que tramita há seis anos e argui a inconstitucionalidade de sua exigência sobre remunerações de vários tipos de contratos, como os de pagamento de royalties, licenças de uso, transferência de tecnologia e serviços técnicos e administrativas, que somam um valor de U$605 milhões. Argui-se na ação que a exigência da Cide sobre qualquer remessa ao exterior implica em desvio de finalidade da contribuição que foi criada para desenvolver tecnologia no Brasil.
O apetite arrecadatório é velho conhecido e, ainda, mais voraz em tempos de crise. Graves são as distorções que se verifica na utilização de muitas das contribuições e fundos emergenciais (ou não) que acabam financiando setores e necessidades desvinculadas das previstas na legislação que instituiu a contribuição ou taxa.
A taxação de remessas de pagamento ao exterior, a constitucionalidade da Cide, da sua incidência e/ou como ela está sendo cobrada está em discussão no Supremo Tribunal Federal, e aparentemente, depois de 6 anos, agora mais próxima do seu final. O impacto da discussão alcança quase R$18 bilhões, segundo a Fazenda Nacional, e questão-chave para o financiamento de pesquisa e inovação no Brasil. As perdas que poderão decorrer da decisão do STF deixarão inovação e tecnologia desabrigadas e o futuro ainda mais incerto.
As conquistas recentes no campo da IA vêm minimizando os efeitos catastróficos da pandemia da Covid-19 em todo o mundo. Inovação e tecnologia já se mostraram “insumos” indispensáveis para as ações em saúde, meio ambiente, comunicação, mobilidade, energia, segurança e produtividade. No inverno financeiro que o país vive deixá-las ao léu é pneumonia sistêmica na certa…
Gloria Faria
Rio de Janeiro, 29 de junho de 2021.