Notícias

Possíveis caminhos para aprimoramento da técnica das tutelas provisórias e primazia do julgamento de mérito recursal

Debates foram conduzidos por Luís Antônio Giampaulo Sarro e contaram com as participações de Ester Camila Gomes Norato Rezende, Maurício Ferreira Cunha e João Calil Abrão Mustafá Assem

Na última quinta-feira (03), a Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA Brasil – realizou a décima primeira fase do ciclo de palestras de pré-lançamento do “Código de Processo Civil Anotado e Comentado”. A live foi apresentada e mediada pelo Presidente do GNT de Processo Civil, Luís Antônio Giampaulo Sarro, teve as participações de Ester Camila Gomes Norato Rezende e Maurício Ferreira Cunha, como palestrantes do evento, e de João Calil Abrão Mustafá Assem, como debatedor.

Ester Camila trouxe reflexões sobre os caminhos para aprimoramento da técnica das tutelas provisórias. “Sem dúvida o CPC 2015 trouxe muitas inovações em relação a essa técnica processual, que são importantes por serem de sede legislativa, sobre questões que há algum tempo vinham sendo sedimentadas na prática forense e notadamente com respaldo doutrinário. Mas também há inovações no sentido mais genuíno da palavra quando a gente se refere aquilo que está sendo trazido de modo inaugural no nosso sistema”, afirmou.

Segundo a palestrante, o CPC/2015 empreendeu uma sistematização das tutelas provisórias que não existia na legislação anterior. Conhecia-se as medidas cautelares, o processo cautelar, inclusive como um processo autônomo, e também havia disciplina em um artigo do processo de conhecimento a antecipação de tutela. Quando a antecipação de tutela surgiu no ordenamento jurídico houve uma preocupação doutrinária e dos operadores do direito em distinguir entre as duas técnicas. Era uma preocupação de ter requisitos diferentes, procedimentos diferentes. “Na prática, isso implicava em uma inefetividade da prestação jurisdicional que se perdia em debates sobre a técnica, sobre a forma processual e acabava prescindindo do necessário socorro ao direito material que estava sendo discutido”, contou.

“O CPC de 2015 consolida o reconhecimento das semelhanças dessas técnicas processuais e inclusive positiva a expressão tutela de urgência como reconhecimento legislativo inequívoco de que nós estamos diante de técnicas que tem uma semelhança. São espécies distintas, mas que tem tamanha semelhança que permite reuni-las sob o mesmo gênero no caso da tutela de urgência”, disse.

O legislador fez ainda uma sistematização, reconhecendo que a par da tutela de urgência existe uma outra espécie de tutela provisória, chamada tutela de evidência, que não é exatamente uma novidade na ordem jurídica. Já havia tutela de evidência prevista em procedimentos especiais, em leis esparsas e também no inciso II do artigo 273. Mas o legislador inova ampliando as hipóteses de sua aplicação e ao positivar a expressão tutela de evidência.

“A sistematização que é feita aqui tem como baliza o reconhecimento de que existem categorias e de que há semelhanças que alinham essas categorias sobre um mesmo gênero. O que temos de comum entre as tutelas de urgência e a tutela de evidência é que tratam-se de prestações jurisdicionais, de decisões, de provimentos que são fundados em cognição sumária”, explicou.

De acordo com a advogada, quando o magistrado profere uma decisão de tutela provisória, o que ele consigna é um juízo de probabilidade. É uma decisão fundada em um juízo de probabilidade, e o processo civil é tradicionalmente assentado em cognição exauriente, que é a técnica cognitiva que tem como produto um juízo de certeza. O que na prática distingue um do outro é que na cognição exauriente o magistrado analisa os elementos que estão à disposição no processo, enquanto que na sumária ele não dispõe de todos os elementos ainda.

“O grande potencial da cognição sumária é que como o julgador vai analisar apenas os elementos que estão no processo no momento, não há necessidade de se exaurir todo o trâmite processual. A decisão é mais rápida do que quando se trilha todas as fases do processo”, ressaltou. Como consequência de sua celeridade, os profissionais tendem a ser mais efetivos e observar mais a segurança jurídica. Para ter uma realização do direito que está sendo discutido é preciso conciliar não apenas a qualidade, a maturação da reflexão do julgador, dos envolvidos, mas também uma prestação jurisdicional tempestiva.

Durante sua fala, a palestrante suscitou questionamento a respeito da necessidade de aprimoramento da técnica da tutela provisória para explorar sua potencialidade concernente a pacificação dos conflitos e ao estímulo para uma solução mais efetiva. Seu posicionamento a respeito dessas indagações é positivo. Isso porque, segundo ela, em algumas situações, o legislador perdeu a oportunidade de solucionar algumas controvérsias que já existiam no regime processual anterior e em outras tratou de temas novos, como é o caso da estabilização e da ampliação do rol das hipóteses da tutela de evidência.

Deixou muitas lacunas e muitas arestas que precisam ser aparadas na disciplina legislativa e que causou muito debate desde quando o texto ainda estava em sede de ante-projeto. “A ideia do aprimoramento de uma técnica processual é muito importante para se ter um sistema jurídico que funcione, caso contrário perde-se em debates processuais enquanto o direito material fica esquecido. Outra justificativa é que eu acredito que as tutelas fundadas em cognição sumária têm um grande potencial para aprimoramento do sistema jurídico”, destacou.

Ester defende também que estabilização da tutela antecipada antecedente é outro ponto da técnica que ficou positivado e que precisa ser melhorado e ter sua aplicação expandida. Sobre a estabilização, a palestrante esclarece que ela ocorre quando o processo vai ser encerrado com uma determinada decisão de cognição sumária e esta decisão vai deixar a relação jurídica estável, com base nos parâmetros determinados na decisão, gerando efeitos para além, para fora do processo. Ela acredita na potencialidade da técnica e na viabilidade da adoção desse modelo para qualquer espécie de tutela provisória.

Outra questão relevante tratada no painel é sobre a conduta do réu que obsta a estabilização. “Qualquer ato do réu que revele a sua irresignação seria suficiente para obstar a estabilização. Se eu digo que qualquer ato do réu obsta a estabilização eu estou fragilizando-a. Agora se eu digo que é só um recurso eu a torno mais difícil”, pontuou. Há quem diga que a estabilização ampliaria a interposição de recurso, o demandismo. A palestrante, entretanto, acredita que a opção do legislador foi a mais adequada e também que é indevido falar-se em uma interpretação sistêmica para defender que qualquer ato do réu obstaria a estabilização.

Na opinião da painelista, o nosso modelo tem que priorizar a estabilização das relações, no sentido amplo, de pacificação. Sobre a tutela de evidência, Ester esclarece que o legislador ampliou as hipóteses de cabimento da técnica. As novidades estão no artigo 311, inciso II, que fala de precedente e cabimento de tutela de evidência em situações de precedente, e o inciso IV que diz que a tutela cabe frente a uma defesa não razoável. “Se o nosso sistema jurídico faz uma opção por distribuir entre as partes o ônus do tempo, porque não privilegiar as decisões de cognição sumária, de juízo de probabilidade?”, questionou. A advogada concluiu sua participação no ciclo de palestras, reforçando a necessidade de se ter um sistema que realmente seja efetivo e que não contribua para quem quer descumprir o direito alheio.

Em seus comentários, João Calil pontuou que alguns de seus clientes pedem por liminares, acreditando que essa seja a maneira mais rápida e eficaz de se garantir ganho de causa. “A liminar é uma coisa muito forte no imaginário popular. Por isso cabe a nós como advogados fazer uma análise de viabilidade e informar as melhores possibilidades”, disse. Em sua fala, o debatedor também questionou o que ainda é preciso ser feito para que, na prática, haja mais efetividade para o jurisdicionado. Para ele, a celeridade e a garantia do processo legal, além da efetividade, são aspectos muito importantes.

Primazia do julgamento de mérito recursal

“Ninguém busca o judiciário em primeiro grau se não para ter uma decisão de mérito. Pode até ser que o pedido seja julgado improcedente, mas todos querem ter o seu mérito analisado”, foi o que afirmou o professor Maurício Ferreira Cunha no início de sua apresentação. Por outro lado, quando a pessoa insurge contra uma decisão, interpondo o recurso que entenda cabível e adequado, ela quer ele seja conhecido, admitido e de preferência que a ele seja dado provimento.

“Isso é importante porque penso que devemos acabar de vez com a jurisprudência defensiva. É tão difícil hoje em dia se dimensionar o que é a figura do amplo acesso à justiça que quando se vê uma jurisprudência defensiva sendo utilizada de maneira frequente, principalmente levando em consideração o posicionamento do STJ, isso me deixa extremamente chateado”, revelou.

De acordo com o magistrado, o recado que o legislador quis dar no CPC 2015, no capítulo destinado às normas fundamentais – do artigo 1º ao 12 – é que as partes têm o direito de obter em tempo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. Ou seja, o direcionamento para que houvesse uma preferência em relação ao julgamento do mérito já está no capítulo das normas fundamentais. “É o abre alas do nosso CPC. Pela primeira vez temos uma base principiológica enaltecida nesses doze primeiros artigos que não são à toa”, enfatizou.

Quando se fala do artigo 4º, não se refere tão somente a primeiro grau, diz respeito também a segundo grau. Ele diz apenas que as partes têm o direito de obter em tempo razoável a solução integral do mérito. Deixa claro que a efetividade precisa ser alcançada. Já o artigo 6º traz o princípio da cooperação. “Todos precisamos cooperar entre si para que obtenhamos uma decisão de mérito justa e efetiva em tempo razoável. Para Cunha, o CPC 2015 tem uma potencialidade de gerar um processo mais célere, mais efetivo e justo porque estaria mais próximo, rente as necessidades sociais e seria um procedimento muito menos complexo. “Se fizermos uma análise dos principais dispositivos do CPC, de suas novidades, se passarmos pelo capítulo das tutelas provisórias, se olharmos também toda a parte relacionada à teoria geral dos recursos, se traçarmos um panorama, veremos que a exposição de motivos não está errada. A ideia é justamente essa. E é por isso que a gente precisa buscar essa preferência do julgamento do mérito recursal”, pontuou.

Quando se fala, por exemplo, em tutela adequada no sentido de uma tutela atenta ao caso concreto do juízo, trabalha-se com a ideia de direito material. Considera-se o direito material que foi posto em causa, abrangendo desde as suas necessidades, até mesmo a forma como se apresenta em juízo. Para que essa tutela adequada seja apropriada a causa levada a litígio é preciso analisar o caso concreto, de acordo com as suas peculiaridades. É preciso trabalhar com o raciocínio de que a tutela adequada precisa ser efetiva. Para que se possa considerar o processo como efetivo é fundamental a identificação da tutela pretendida pela parte, justamente com o intuito de propiciar a tutela específica daquele caso levada juízo, ou pelo menos a tutela pelo resultado prático equivalente.

Também vale mencionar que há que se fazer um enquadramento do princípio da primazia do julgamento de mérito. “Por exemplo, podemos dizer que é um princípio? Eu não consigo dissociar o princípio da cooperação também dentro da ideia de primazia do julgamento de mérito”, falou. Há também uma segunda linha de pensamento que é como uma decorrência do princípio da instrumentalidade das formas. O terceiro enquadramento a enxerga como uma consequência da cooperação processual e também da duração razoável do processo. Porque se é um vício sanável ele deve ser corrigido, o que tem como consequência a otimização de tempo economia de dinheiro.

“A solução integral do mérito visa à cooperação com duração razoável do processo, com a atividade satisfativa. Visa à superação de eventuais vícios processuais, viabilizando o saneamento, a organização do processo e consequentemente o prosseguimento do processo”, realçou.

Ao final de sua palestra, o magistrado reforçou que em alguns artigos o legislador traz a ideia da primazia do julgamento de mérito recursal muito bem explanada. Para ele, além dos artigos 4º e 6º, o mais emblemático é o 932, parágrafo único, que versa sobre os poderes do relator. “Antes de considerar o recurso como sendo inadmissível o relator concederá o prazo de cinco dias para que o vício seja sanado, ou para que seja complementada a documentação exigível”, alertou.

Cunha destacou ainda o artigo 1029 – § 3º, que diz que o Supremo, em se tratando de recurso extraordinário, e o STJ em se tratando de recurso especial, poderá desconsiderar vício formal de um recurso tempestivo ou, se for o caso, determinar a correção, desde que os tribunais entendam que não se trata de algo grave.

Como debatedor, Assem afirmou que que advoga para segurados e que foi extremamente importante ouvir a visão e os exemplos compartilhados pelo palestrante sobre o interesse das partes em relação ao julgamento do mérito. “No TJ de São Paulo se uma pessoa alega justiça gratuita nas razões de apelação, em geral o relator solicita comprovação ou o pagamento, ele não faz análise. Então é uma coisa que chateia e faz com que questionemos onde está o mérito”, analisou.

Assista a live completa no canal da AIDA